sexta-feira, 19 de abril de 2024

DR. CLÂNDIO MARQUES DA ROCHA, UMA VIDA EXEMPLAR´- James Pizarro (DIÁRIO, edição de 23.abril.2024)

Em 1963 comecei a cursar Agronomia na UFSM. E fiz meu primeiro exame na esfera federal. Fui aprovado em primeiro lugar entre mais de cem candidatos para o cargo de auxiliar administrativo do SAMDU – Serviço Médico Domiciliar e de Urgência. E lá fiquei até dezembro de 1966, quando me formei. Era chefe do SAMDU, no chamado Porto 04, situado na rua Dr. Wauthier, o Dr. Clândio Marques da Rocha, conhecido ginecologista/obstetra de nossa cidade e professor de Bioquímica da Faculdade de Medicina da UFSM. Também foi Decano do Centro de Ciências Naturais e Exatas. Natural de Santa Maria, onde nasceu em fevereiro de 1934, veio a falecer no dia 13 de abril de 2024 aos 93 anos.. Eu me tornei um grande amigo do Dr. Clândio. Conheci a dona Aury, sua esposa, E tive a oportunidade de ser professor no cursinho pré-vestibular dos seus três filhos : Tarso Marques da Rocha (médico), Tamara Marques da Rocha (Licenciatura em Letras/SMED) e Karla Marques da Rocha (Licenciatura em Educação Física e Geografia/UFSM) Iniciou suas atividades atendendo na enfermaria do Hospital de Caridade onde fez parte do corpo clínico até encerrar suas atividades. Atendeu na Casa de Saúde e também no hospital da Brigada onde foi capitão até ingressar na UFSM. No consultório atendeu 45 anos, até encerrar suas atividades, aos 70 anos. Diiplomado pela Faculdade de Medicina na Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, em 1955. Durante 45 anos, prestou atendimento no consultório na rua Acampamento, Edifício da Clínicas. Aposentou-se em 2002, aos 70 anos. Gostava de estar em contato com a natureza. Fazia acampamentos de trailer com a família toda. Gostava de pescar,, Sempre afável com todos, resolvia os problemas com serenidade e sabedoria, Durante quatro anos trabalhei direto com ele na administração do SAMDU. E durante esse tempo jamais presenciei um atrito, discussão ou voz acima do tom por parte dele. Sabia ouvir e decidir. Sempre dentro de um espírito de justiça e prudência. Quando casei em julho de 1966 (um semestre antes de me formar), o Dr.Clândio encabeçou uma lista – assinada por todos os funcionários do SAMDU – e me deram de presente uma quantidade de dinheiro que equivalia mais ou menos a 4 salários que eu ganhava. Lembro das palavras dele : “ Um recém casado precisa muito mais de dinheiro do que um presente material “. Como a lei facultava naquela época, funcionários federais tinham direito a horário especial para poder frequentar as aulas. O Dr. Clândio fez um horário especial para mim e pude terminar meu curso, trabalhando às vezes de noite e aos sábados e domingos. Sempre gentil, semanalmente me perguntava sobre o andamento dos meus estudos e aulas na Agronomia. Existem na cidade dezenas de homens chamados “Clândio” porque suas mães eram pacientes dele e o quiseram homenagear. Curiosamente, meu neto Tarso (também médico) recebeu este nome porque seu parto foi feito pelo Tarso Marques da Rocha, filho do Dr. Clândio. Como se vê, o EXEMPLO não é mais uma simples forma de educar. É aúnica. Descansa em paz, meu chefe, amigo e exemplo ! Missão cumprida.

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

SANTA MARIA SOLIDÁRIA COM O VALE DO TAQUARI - James Pizarro (DIÁRIO - 12.9.2023)

O recente capítulo das enchentes no Vale do Rio Taquari, RS, abalou profundamente a comunidade rio-grandense, a ponto desse episódio estar sendo considerado a maior tragédia ambiental ocorrida em solo gaúcho em todos os tempos. Cidades varridas do mapa. Lojas destruídas. Hospitais e postos de saúde arrastados pelas águas. Milhares de residências totalmente invadidas pela lama e água. Quase meia centena de mortos e dezenas de desaparecidos dão uma ideia da magnitude do fenômeno climático. Milhares de pessoas desempregadas. Centenas de pessoas isoladas e com dificuldade de resgate pelas aeronaves governamentais e particulares. Cenas jamais imaginadas apareceram na televisão, tais como porcos e vacas isolados no telhado das casas. Centenas de cães e gatos famintos à procura de alimento e de seus tutores. O socorro do governo federal , governo estadual e prefeituras somou-se ao trabalho de milhares de anônimos voluntários que acorreram de todas as partes do Rio Grande do Sul com a intenção de trabalhar solidariamente nas zonas atingidas. O governo estadual montou e instalou no local o gabinete do vice-governador para coordenar as providências todas e evitar que o caos se instalasse. O governo federal montou hospitais de campanha. Destinou kits de saúde com medicamentos para os locais atingidos. Prefeituras estão cadastrando os atingidos porque cada familiar atingido vai receber 800 reais de ajuda do governo federal. Segundo a mídia publicou não houve um só pedido dos prefeitos e governador que não houvesse sido atendido. Mais uma vez o gaúcho dá prova de sua solidariedade nos momentos difíceis. De quase todas as cidades gaúchas partiram doações de alimentos, remédios, agasalhos e material de limpeza. Na segunda-feira (ontem) partiu da gare da Viação Férrea de Santa Maria um comboio de quase uma dezena de caminhões levando água potável, agasalhos, alimentos e material de limpeza. Tudo fruto da arrecadação feita por igrejas, clubes de serviço, autoridades e povo em geral. Quando Santa Maria foi abalada pela infeliz tragédia da Boate Kiss, o país inteiro foi solidário com Santa Maria. Com profundo senso de gratidão, generosidade e solidariedade, o povo santa-mariense fez agora o seu papel para ajudar seus irmãos do Vale do Taquari. O povo de nossa cidade está de parabéns !

segunda-feira, 31 de julho de 2023

VAMOS REZAR POR JESUS ? _ James Pizarro (DIÁRIO - 01.08.2023)

No capítulo 11 de João, encontramos o versículo 35, um dos mais curtos de toda a Bíblia: “E Jesus chorou”. Não vou pontuar aqui o momento histórico que suscitou este versículo. Mas, contextualizando para os dias de hoje e num esforço de síntese, poderia resumir dizendo que Jesus chorou - e chora até hoje - por compaixão. Jesus chorou quando, a cada dois ou três dias, uma pessoa foi assassinada nas ruas de Santa Maria com balaços na cara pelos motivos mais torpes e vis. Jesus chorou quando crianças foram abusadas sexualmente dentro de suas próprias casas ou em suas escolas, por pessoas que teoricamente deveriam protegê-las. Jesus chorou quando mulheres fragilizadas e doentes foram abusadas por religiosos em templos onde ingenuamente foram em busca de socorro. Jesus chorou quando uma jovem mulher grávida foi, em plena luz do dia, estuprada no Bairro do Rosário sem que ninguém visse ou pudesse lhe auxiliar. Jesus chorou pelo número de doentes que não puderam ter o atendimento merecido porque aparelhos estavam quebrados e nem leitos suficientes existiam, tendo de sofrer o martírio e a humilhação da espera nas macas dos corredores dos hospitais. Jesus chorou diante de funcionários desesperados que tiveram seus salários há anos sem reajuste, suas contas atrasadas, seu crédito cortado, sua comida racionada e o pior – muitos deles chegaram ao suicídio. Jesus chorou diante do aumento das doenças sexualmente transmissíveis, algumas tidas como controladas, devido ao comportamento descuidado e a falta de respeito das pessoas para com seu próprio corpo. Jesus chorou pelos animais abandonados, torturados, mortos à míngua, explorados, envenenados, agredidos sem que nenhuma autoridade constituída tenha deles a mínima piedade. Jesus chorou pelos trilhões de reais roubados por alguns políticos que só pensam em amealhar dinheiro para si e só têm olhos para seus próprios umbigos. Jesus chorou pelas viúvas que ganham pensões ridículas, aposentados doentes que são submetidos a perícias numerosas para seguir ganhando tostões, doentes que precisam de remédios pagos pelo governo e estes sempre faltam nas farmácias oficiais. Jesus chorou pelos mortos na Ucrânia e pelas milhares de toneladas de grãos que deveriam saciar a fome do mundo e que acabam apodrecendo ou sendo queimados pelas bombas inconsequentes. Jesus chorou pelas crianças atingidas pelas balas perdidas nos morros cariocas e por aqueles que tiveram suas casas desruidaspelas enchentes. Sim, Jesus tem chorado muito. Talvez esteja quase “desidratado” devido à insanidade dos homens. E à insensibilidade dos políticos e autoridades. Jesus chorou pelos hospitais não concluídos, pela falta de leitos, pelos doentes amontoados em macas, pelas mães implorando por creches, pelos mortos em acidentes automobilísticos em estradas cheias de buracos, pela falta de remédios de uso continuado para pacientes carente, pelas crianças atingidas por balas perdidas. Jesus chorou pela fúria comercial e mercantilista em que se transformou a cabeça de muitos “religiosos” que agem em seu santo nome.. E que se empanturram de comida e bebida em demasia. Vamos cair de joelhos, fazer um “mea culpa” e rezar por Jesus antes de dormir ? Ele deve estar triste demais. E precisando do nosso acolhimento. Assim como nós precisamos do Seu perdão.

segunda-feira, 17 de julho de 2023

AQUELA OLHADA POR CIMA DO OMBRO EM 1963 - JAMES PIZARRO (crônica DIÁRIO, 18.7.2023)

Naquele entardecer de 14 de julho de 1966 fazia muito frio em Santa Maria. E chovia muito. Tempo feio para uma data tão importante. Que certamente não era a data nacional da França. Com a tomada da Bastilha. Mas era uma data de outra tomada de posição. Diante dos familiares. Dos amigos. Da vida. E do mundo. Já no altar da Catedral de Santa Maria, ao lado dos padrinhos e testemunhas, o noivo espera. Pela noiva. E pelo monsenhor Érico Ferrari, oficiante do casamento, que pouco tempo depois seria bispo. E naqueles cinco ou dez minutos de espera, pela sua mente inquieta, desfilaram em imagens aceleradas dois anos de namoro e um ano de noivado. Tudo começou com aquela olhada por cima do ombro que ela lhe deu na “Primeira Quadra” – hoje calçadão Salvador Isaia – depois da saída da sessão de cinema no Cine Glória em 23 de janeiro de 1963. O que ensejou que ele lhe telefonasse naquela noite mesmo na cara e na coragem indagando “sutilmente” se a olhada tinha sido para ele mesmo. Depois de um silêncio soturno, a confirmação que iniciou o romance. O namoro iniciou no último dia do vestibular dele. Ele já trabalhava – com 21 anos – como auxiliar administrativo concursado do SAMDU e dava aulas de Biologia no Santa*Anna e cursinho. Todo dinheiro que ganhava era parte empregado no sustento pessoal e parte investido na compra de móveis e demais objetos para montagem de uma casa, o que enchia de espanto os familiares dela. Pois tinha recém começado o namoro e com pouco mais do que 16 anos, ainda fazendo o Curso Normal no Olavo Bilac. Três anos se passaram e o destemido e teimoso moço alugou uma casa e montou toda a estrutura para morar um casal. E passou ele mesmo a morar sozinho nela. Pediu a moça em casamento quatro meses antes mesmo da formatura dele. Os mais velhos da família, de ambos os lados, viam com temor aquela pressa e achavam uma ousadia. Mas nada podiam objetar porque o moço era estudioso, trabalhador e a moça o queria. Ele trabalhou quase meio século como professor universitário. E também em rádio, TV e jornal. Ela é e formada em Educação Física. No dia 14 último ambos comemoram 57 anos de casados. Levando-se em conta que a média de duração dos casamentos no Brasil atualmente é de 4,5 anos apenas, segundo dados do IBGE. Há necessidade nas relações a dois de muita resiliência, companheirismo, paciência, capacidade de perdão, maleabilidade e ductibilidade. Daquela olhada por cima do ombro naquela distante noite de 1963 em plena “Primeira Quadra” brotaram hoje três filhos, seis netos, genros, nora. E a certeza cada vez maior de que não existe nada mais importante no mundo do que a família. Eu te amo, Vera Maria ! Obrigado pela paciência e companheirismo. Parabéns pelo nosso dia !

segunda-feira, 3 de julho de 2023

UM HOMEM DO BEM - James Pizarro (DIÁRIO - 4 de julho de 2023)

Meu querido amigo e ex-aluno Cláudio Morgental sempre me falou com muito orgulho de seu avô José Morgental. Era dotado de uma inteligência privilegiada. E por isso, seu pai seu pai o mandou aprender o ofício de ferreiro com os alemães em AGUDO. Trabalhou na confecção da torre da Igreja de Santo Antônio, em Silveira Martins . Fabricou a cruz no alto da torre. Também forjou o portão do cemítério de Vale Veronês, até hoje existente. Claudio conta que seu avô era requisitado em todas as ocasiões importantes a saudar visitantes ilustres que chegavam ao berço da IVª Colônia devido à sua grande capacidade para a oratória. Em todas as festas, casamentos e aniversários pediam para ele fazer uma alocução. Era uma de suas marcas registradas. Da Itália veio grande quantidade de livros ,que formaram seu acervo particular. Autodidata, ele devorava enciclopédias. Estudou e construiu uma usina Hidrelétrica, desviando o curso d'água do rio Guarda-Mór que passava nos fundos da sua casa e produziu sua própria energia elétrica. Nenhuma casa possuía este benefício, mas ele já dispunha deste avanço. Só muitas décadas depois a luz elétrica chegou àquela região. Também o pai de Claudio, Alcides Morgental, foi um grande lutador e empreendedor. Montou uma famosa oficina mecânica, de grande conceito na cidade Atendia clientes como o bispo dom Luis Victor Sartori e o advogado Dr. Hélvio Jobim, entre outros. Vendeu tratores DAVID BROWN importados da Inglaterra. Vendeu também BUCK ,URSUS ,VALMET. E para melhor assistência à oficina mantém anexo uma TORNEARIA com serviços de solda a eletrogênio e oxigênio. Mas a saga da família Morgental ocuparia muito espaço, tão rica que foi. E o personagem central desta crônica de hoje eu pretendia que fosse Claudio Morgental. Eu o conheci nas salas do Curso de Agronomia, onde foi meu aluno e teve de interromper o curso para trabalhar e por outras obrigações familiares.. Acabou se formando no Curso de Administração da UFSM em 1975. Trabalhou em empresas norte-americanas de saúde natural. Também atua no setor imobiliário, na construção de pavilhões pré-moldados e na locação de Imóveis. Foi escoteiro. Trabalha em obras de benemerência. É católico fervoroso, praticante, atuando na paróquia da Ressurreição. Claudio é muito ligado às coisas da terra, à agricultura, árvores frutíferas e à Ecologia. O que nos aproximou muito. Gosta muito de estar bem informado e por isso lê muito, pesquisa, está sempre atento à mídia. É muito atento ao passado santa-mariense, monumentos, figuras que fizeram a história da cidade. Dia desses me contou que se preparava para matar uma lesma que atacava as flores do jardim de sua esposa. Mas que se tomou de misericórdia por aquele ser vivo e desistiu, deixando ela viva. Quando quiseram aplicar agrotóxicos para terminar com as ervas daninhas da sua calçada, preferiu arrancar as mesmas e aplicar um poderoso cimento-cola para evitar que as mesmas nascessem entre as pedras e ladrilhos. Enfim, um homem empreendedor e criativo, a exemplo de seu avô e de seu pai. Profundamente ligado à família, sua esposa e filhos. Recentemente perdeu sua mãezinha, que era minha assídua leitora. Um homem temente a Deus e dedicado às obras da igreja. Com sensibilidade rara pelos seres vivos. E portanto, digno de ser conhecido pela sua comunidade. Por isso, fi-lo meu personagem dessa singela crônica. Para lhe mostrar o quanto seu velho professor fica comovido quando percebe que suas aulas foram aproveitadas. E ajudaram na formação de um homem de bem. Claudio : que Deus seja generoso contigo e que te dê glória alta e compreensão entre os homens !

segunda-feira, 8 de maio de 2023

MORREU COMO UM PASSARINHO... - James Pizarro (DIÁRIO - 9.5.2023)

Minha mãe se chamava Maria, conhecida por todo mundo pelo nome de Iria. Dona Iria. Minha avó materna, vó Olina, contava que o nome dela era para ser Maria Iria e que meu avô, na hora do registro, esqueceu e registrou apenas como Maria. Minha mãe estudou todo o Curso Elementar (depois chamado Ginásio e hoje chamado Ensino Fundamental) no Colégio Santa Terezinha (hoje prédio do MANECO), internato e semi-internato mantido pela Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul em sua época áurea. No turno da manhã, minha mãe tinha as disciplinas pertinentes a esse tipo de curso (Matemática, Português, Ciências, Geografia, História, Música, etc...). Pela tarde aprendia bordado, tricô, tocar violino, educação física, etc...Minha mãe sempre dizia que as freiras do Santa Terezinha usavam a frase : "De manhã se educa a mente e a alma, pela tarde se educa o corpo". Aos 16 anos conheceu Alfeu, meu pai, e pouco tempo depois casaram. Foram morar na rua Silva Jardim, 2431. Onde ficaram toda vida. Desfrutando um feliz convívio de quase 70 anos de casamento sólido. Minha mãe ajudou na árdua luta de sustentar uma família com dois filhos, construir uma casa própria com o ordenado de funcionário público de meu pai, que trabalhava em dois empregos. Exímia na arte de fazer doces, durante anos fez e vendeu doces sob encomenda para casamentos e aniversários. Nunca teve empregada doméstica. A família sempre recebeu ajuda providencial, quando necessário, de meu avô materno, Seu Fredolino. Como ferroviário, ganhava muito bem à época e podia prestar este auxílio e o fazia de bom grado. As únicas diversões das quais me lembro eram frequentar todos os circos que chegavam a Santa Maria. Ir aos bailes mensais do Clubes de Atiradores Santamariense. E não perder as esporádicas festas do Grupo de Bolão 7 de Setembro, de cuja equipe meu pai era o "capitão", pois era exímio bolonista. Depois de idosa, minha mãe frequentou aulas na UFSM como aluna especial. Engajou-se na luta política da terceira idade na cidade, sendo uma das fundadoras do grupo "Mexe Coração", com sede no Centro de Atividades Múltiplas, no Parque Itaimbé. Participou de aulas da caratê. Foi atriz de vários espetáculos do grupo teatral da terceira idade, onde se revelou notável comediante. Viajou pelo interior gaúcho para apresentações teatrais. Fez parte do coral dos idosos. Frequentava as aulas recreativas de natação na piscina térmica da UFSM. Enfim, teve uma vida socialmente participativa. Esteve casada com meu pai durante 63 anos de feliz união, pois ambos se completavam. Ficou viúva em 9 de maio de 2004, quando meu pai morreu vitimado por complicações pós-operatórias advindas de uma cirurgia cardíaca. Viveu na mesma casa sempre, com minha irmã Jane e com uma atendente de idoso. Ela sempre teve grande afinidade com minha mulher, sua nora. Insisti até à exaustão para trazê-la para a praia de Canasvieiras (quando lá morei durante quase uma década) para gozar do sossego de uma praia maravilhosa no final de sua vida. Nunca aceitou. Consegui leva-la duas ou três vezes para temporadas de trinta dias. Contentei-me, então, com conversas telefônicas semanais. Infelizmente, a minha opção de morar na praia, desejo acalentado há anos, não coincidiu com a opção de minha mãe. Lamentei pela opção que ela fez. Mas que fui obrigado a respeitar. Dia 4 de fevereiro de 2012 estive em Santa Maria para festejar os 90 anos de minha mãe, junto com dezenas de parentes, vizinhos e amigos, em animado jantar no Restaurante Vera Cruz. De 19 a 25 de abril de 2013 estive também em Santa Maria. E em janeiro de 2014 também estive em Santa Maria para visitar amigos, parentes e visitar minha mãe por 29 dias. Enfim, voltei todos os anos para visitas. Até que - maio de 2016 - depois de quase dez anos na praia, já com 74 anos à época, decidi retornar aos pagos, ficar perto dos filhos, netos, amigos, ex-alunos, meus médicos, minha cidade natal. Em 28 de julho de 2016 minha mãe morreu. Aos 93 anos. Morreu dormindo. Em sua cama. Em sua casa. Como um passarinho.

segunda-feira, 24 de abril de 2023

NÃO ESTÁ FÁCIL MANTER A SANIDADE MENTAL ! - James Pizarro (DIÁRIO, edição de 25.4.2023)

Tem ficado cada vez mais difícil – pelo menos para mim - escutar programas de TV. Ouvir rádio. Ou ler noticiários. Nunca usei armas. Nunca matei animais. Com arraigada formação ecológica onde o respeito pelos seres vivos é fundamental, repugna-me derramamento de sangue. Guerras. Assassinatos. Agressões. Ódio. Vinganças. Traições. E o que mais se vê hoje em dia é o ódio disseminado. A discussão sob qualquer pretexto. O avesso da Paz. O rancor. A falta de bioética. O desamor. O caos nas relações humanas. O programa “Fantástico” do último domingo foi um exemplo disso. Bebês trocados na maternidade há trinta anos. Assassinatos de mulheres por parte de seus companheiros machistas. Dentista que abusava sexualmente de suas pacientes. Roubos gigantescos em mais de cinquenta cidades do Maranhão. Policiais espancando pessoas em São Paulo. Jogadores de futebol aliciados para cometer infrações em troca de dinheiro para modificar resultado dos jogos de seus clubes. Novos capítulos de brigas entre partidos políticos. Pessoas que morrem sem assistência médica. Enfim, uma bacanal de mau caratismo generalizado. No intervalo comercial da programação me dei conta que comecei a ficar ansioso. Angustiado. Principalmente porque fiquei a lembrar do futuro dos meus seis netos. Jovens, eles gostam de sair. Ir a festas. A shows musicais. A boates. Viajar. Em nossa cidade, por exemplo, a despeito de gigantesco esforço das autoridades policiais, praticamente se mata uma pessoa dia sim, dia não. Roubos. Assaltos. Drogas. Acidentes de trânsito. Otoristas dirigindo alcoolizados. Ou sem habilitação. Eu me dei conta que há mais de ano não saio mais de noite, apesar de morar no centro da cidade. Faço minhas compras de dia. E me valho das telentregas se preciso de algo durante a noite. Fiquei a lembrar de uma história real ocorrida nos Estados Unidos com um milionário. Acometido de uma severa doença neurológica que o deixou hipersensível, a família foi advertida pelo médico que o paciente não poderia sofrer impactos com más notícias. Milionária, a família passou a imprimir um jornal com notícias escritas por jornalistas especialmente contratados. Que escreviam poemas. Crônicas melífluas. Fotos de paisagens paradisíacas. Notícias de namoros felizes. De avós bem tratados pelos netos. Casamentos perfeitos. Clima primaveril. Enfim, noticias que levavam o paciente à tranquilidade. E ao aumento da longevidade, apesar da grave doença. Mas eu – um professor universitário aposentado, idoso, há vários anos sem receber aumento – de que métodos me valerei para enfrentar esses “tempos bicudos”, como dizia Mário Quintana ? Não fumo há 45 anos. Não bebo há 22 anos. Nunca usei drogas ilícitas. Tenho de ter cuidado com a alimentação. Resta-me orar. E meditar. Porque orar -segundo aprendi – é falar com Deus. E meditar é ouvir o que Deus tem para me dizer. Tem dado certo.